Saudades da Suzuki TL 1000 S!

E aí galera! A vida está muito maluca não é? Motos na garagem, gente assustada, futuro nebuloso… Tive um fim de semana super chato.

Nisso de ficar em casa arrumando coisas, mandei o Google fazer uma varredura nos computadores de casa e subir tudo para um backup e neste processo eu revi um monte de fotos legais. Achei esta aí da minha Suzuki TL 1000 S, no dia em que estreei a bruta na estrada, com as também novinhas Ducatis 916 dos Rodrigos Londres e Torrealba, e com a Kawa 600R do piloto Nelson Ricciardi. Com esta Kawasaki disputamos um Campeonato Brasileiro de SuperSport e chegamos em sexto (!) e primeira equipe privada, mas isso é outra história.

Nelson, Rodrigo e Eu. Torrealba bateu a foto. A Kawa não apareceu na foto.

Foi um dia muito importante na minha vida motociclística, pois percebi nítidamente que, apesar de me achar um bom piloto, eu na verdade era um bosta sem nenhum preparo ou conhecimento para andar rápido  com uma moto esportiva. E olha que eu peguei esta TL trocando por 2 RF’s que eu tinha há mais de 2 anos, uma RF600 e uma RF900. É tudo questão de referência. Eu simplesmente não consegui chegar perto dos Rodrigos, que não eram nem pilotos  nem muito rápidos, mas que estavam muitos degraus na minha frente. Depois também não conseguia chegar perto no Nelson. Troquei de moto e levei o mesmo couro, com os Rodrigos ainda por cima dizendo que a TL tinha mais motor…

Minha adorada RF600R. A 900 eu não gostei.

Demorei a aprender a andar rápido e só aprendi mesmo depois de fazer o curso da California Superbike School. Aprendi não, estou aprendendo, porque é uma coisa que nunca acaba, é um processo infinito.

Esta Suzuki é uma moto muito especial na história da Suzuki, vou tentar contar aqui como foi que ela aconteceu.

Esta arquitetura de motor, L2, V2 em 90 graus, era um domínio da Ducati, que estrondou o mundo com suas vitórias no SBK e estava vendendo muito bem a sua 916. Ganhava corridas e vendia motos, pois com a gerência agressiva dos Castiglioni da Cagiva e depois do Texas Pacific Group, a Ducati aumentou suas vendas e estabeleceu uma moral dos V2 brabos.

Isso abriu um espaço para a construção de uma “Ducati japonesa”, ou seja, um V2 japonês, esportivo, com qualidades japonesas de manutenção. As Ducati eram frágeis nesta época, soltavam parafusos, queimavam reguladores, ajustar correias de comando toda hora…

Suzuki e Honda caíram dentro nesta tarefa, em uma competição para ver quem iria lançar a moto primeiro. Sendo uma fábrica menor, a Suzuki tinha mais interesse nisso, pois queria sair na frente e vender na frente. E projetou uma moto que era revolucionária em vários aspectos. E bem esportiva.

O chassi de alumínio com tubos grossos e ovais era bem legal. Não era um quadro de treliça como a Ducati, mas era um tipo de treliças, feito de um material mais nobre!!! Muito bonito o chassi e impressionante. E a suspensão traseira com o rotary damper era de quebrar a cabeça.

Taí o Rotary Dumper. Ruim.

O motor L90 é comprido longitudinalmente, apesar de magrelo. Isso causa problemas ciclísticos pois ocupa espaço e afasta o entre-eixos… Se virar para frente o cilindro dianteiro atrapalha a roda dianteira, se virar para trás acaba o espaço embaixo do piloto e aumenta a moto, o que é péssimo para uma SBK. Tamburini resolveu do jeito dele, e a Suzuki do dela. Foram duas coisas, primeiro um cabeçote cavado, para diminuir a altura dele, e passar a mola do amortecedor para a lateral da moto. A Ducati passou a bateria. O motor veio muito potente, e moderno, com um sistema de comando misto de corrente com engrenagens. Tão moderno que está aí até hoje nas V-Strom, foi vendido para a Cagiva colocar nas Raptor e Interceptor, e na Bimota SB8.

Vejam a mola aí do ladinho. E o quadro diferentão.

O estilo não era feio, também não era lindão como a Ducati, dava para o gasto e era uma moto impressionante. Quando vi ao vivo, a primeira que chegou na cidade foi a do Marcelo Bombana, importação direta, quis comprar, e comprei na EGO a primeira que chegou na loja.

A Superhawk nem era feia, mas era carburada… um pecado da Honda, o mundo tinha mudado. E fraca. E sem graça.

Tudo montado e gasolina no tanque, hahahaha, as coisas não foram tão bem como o planejado. A moto veio cheia de qualidades e defeitos também.

O motor veio estúpido, com 128CVs mal educados, ela fazia um COF horroroso em baixa rotação, morria de jogar gente no chão em uma curvinha de retorno. Embolava na saída e virava um demônio na aceleração. Andava MUITO mais do que a Ducati 916. Mais do que a 996 também, somente o testastretta da 998 seria páreo nesta área. Sendo uma moto cara, reclamaram horrores da falta de regulagem deste motor, que também foi o primeiro motor injetado vendido pela Suzuki, ninguém sabia mexer, e, ao contrário da Ducati, onde vc podia trocar Chip e futucar o mapeamento, a Suzuki tinha a ECU trancada. Isso foi resultado da correria com a Honda para lançar a moto. Um bom mapeamento requer muitas horas de probe em várias partes do mundo, altitudes, temperaturas e a Suzuki não teve tempo para isso, lançou a moto com um mapa de merda. Era divertida, mas desregulada. Como reclamaram muito, ela foi depois mudando os mapas e fazendo recalls para trocar a ECU. Troquei 2 vezes. Ela ficou redonda, mas menos potente (123 CVs) e menos divertida. E pararam de mexer nisso, porque lá fora lançaram a TL1000R e esta é que virou prioridade para ser forte. No mundo inteiro rolou um certo desespero para regular esta moto e tinha a manha, macete, de cortar o fio rosa da ECU… o que desligava um sensor e melhorava a baixa da moto. Motorzão.

O Chassi deu mais problemas… tinha uma geometria radical e no limite, pelos problemas que falei acima, de posicionamento do motor. LONGE do equilíbrio da Ducati, ela era pesada na direção e bem mais teimosa nas mudanças de direção, sempre comparando com a 916. Importante reparar que não era uma diferença em quilos, mas em sensações. Para manter a moto dentro dos custos, escolheram uma suspensão dianteira bem vagabunda e freios também abaixo do que poderiam ser. Tanto que era um veneno comum trocar as pinças de freio pelas da Gixxer 750, de 6 pistões. A suspensão dianteira tinha que trocar as molas e usar Golden Valves da RaceTech, a original era muito ruim. Economia.

A suspensão traseira foi algo nunca visto nas motos, um amortecedor rotativo que dizem que era usado na F1… Eu nunca tinha visto. Tecnicamente a explicação era boa… o amortecimento hidráulico acontecia dentro do rotor, que transferia óleo através de movimento rotativos e não levando porrada como um êmbolo de um amortecedor comum. Era pequeno, e a mola, quem realmente levava a pancada, foi colocada na lateral direita do motor. Tudo isso para poder fazer o motor ocupar este espaço e manter a moto curta. Funcionava. Funcionava mal. Primeiro o rotor ficava perto e no caminho do calor do cilindro traseiro, esquentou, o óleo afinava e aí babou, o amortecimento degradava muito. Tanto que na sua irmã mais nova, a TLR, mudaram de posição. Depois, a mola não era grandes coisas e como cereja do bolo, esta montagem requeria vigilância constante dos parafusos de fixação do rotor, pois eles afrouxavam, mesmo com Loctite e se andasse com eles frouxos, simplesmente quebrava o chassi… Muitos chassis foram trocados em garantia nesta moto. Nos estrangeiro, quem queria uma suspensão boa trocava isso tudo por um sistema normal da Ohlins ou Penske.

A geometria radical, somada a suspensão dianteira vagabunda e ao super bom, mas super macio pneu Metzeler ME1, deu a moto um comportamento nervoso. Como os pneus gastavam com uma velocidade absurda, muito macios e muito torque, ela toda hora estava com pneus moles e ao passar em trepidações ela dava tank slappers de soltar a alma. Tanto que na Inglaterra processaram a Suzuki e ela teve que fazer um retrofit das primeiras e instalou (engatilhou) um amortecedor de direção na mesa, também bem vagaba, mas instalou de graça.

Uma verdadeira gambiarra. Mas dava para trocar por um bom.

A TL1000R, com quadro perimetral, suspensão dianteira e freios melhores.

Foram acertando a moto, que não veio tão boa como queriam. A sorte foi que a primeira Honda V2 de rua veio diferente, e pior, a SuperHawk. Mas depois a Honda fez muito bonito com a   SBK RC51, caríssima e a própria Suzuki a abandonou e passou a investir na TL1000R, que nunca veio ao Brasil.

Esta moto era sensacional. Colin Edwards foi bicampeão de SBK com ela. Caríssima.

Antes de acabar eles melhoraram o motor, que tinha um problema de desgaste no cabeçote causado pelo novo sistema ser muito novinho, e fizeram uma instalação decente para o amortecedor de direção. Aqui no Brasil nunca vieram, pois o João Toledo importou apenas a primeira leva e foi remarcando chassis para 99, 2000 e 2001, sempre a mesma moto.

E andando com ela?

Muito divertido!! Um som bacana, que depois eu aprimorei com lindas descargas Micron compradas com o Bebeto na Tanalot. Era de abalar os pilares da garagem. Rápida, boa de empinar. Com a última ECU ela ficou redonda e tinha uma ótima embreagem, sem nenhum sistema de anti-torque. Os motores V2 são muito gostosos. No pau mesmo eu não andei, pois eu não sabia correr, mas andando no meu nível ela dava para o gasto. No meu limite, baixo, já dava para sentir que com o calor ela piorava de suspensão, que o feedback geral de tudo era baixo, principalmente se comprar com motos melhores, como a 916 e até as outras esportivas. Mas era uma SBK completa, e me permitiu pela primeira vez abusar um pouco e também permitiu que eu descobrisse que eu não sabia pilotar. Vendi a primeira, me arrependi e comprei outra, que depois vendi para o João Mendes. No final cheguei a ter ela e a Mille na garagem e aí a diferença era absurda. A Aprilia RSV é muito melhor em tudo, e muito mais forte ainda, ao ponto de ao pegar a TL, achar a moto fraca.

Por isso acabou, não tinha qualidades para insistir. Foi uma moto legal, primeiro quadro daquele jeito, primeira V2 japa esportiva de rua, primeira Suzuki injetada, primeira a usar rotary dumper… como diria um americano, nice try. Mesmo com tantos defeitos, “personalidade”, características adversas… hahahaha, é uma Suzuki que eu teria fácil na minha coleção imaginária. Não teria uma gixxer velha, mas teria uma TL. Adorei as minhas, nunca me deixaram na mão. E não matou a Ducati. A Ducati riu.

Abraços
Mário Barreto.

Publicitário, Designer, Historiador, Jornalista e Pioneiro na Computação Gráfica. Começou em publicidade na Artplan Publicidade, no estúdio, com apenas 15 anos. Aos 18 foi para a Propeg, já como Chefe de Estúdio e depois, ainda no estúdio, para a Agência da Casa, atual CGCOM, House da TV Globo. Aos 20 anos passou a Direção de Arte do Merchandising da TV Globo onde ficou por 3 anos. Mudando de atuação mais uma vez, do Merchandising passou a Computação Gráfica, como Animador da Globo Computação Gráfica, depois Globograph. Fundou então a Intervalo Produções, que cresceu até tornar-se uma das maiores produtoras de Computação Gráfica do país. Foi criador, sócio e Diretor de Tecnologia da D+,depois D+W, agência de publicidade que marcou uma época no mercado carioca e também sócio de um dos primeiros provedores de internet da cidade, a Easynet. Durante sua carreira recebeu vários prêmios nacionais, regionais e também foi finalista no prestigiado London Festival. Todos com filmes de animação e efeitos especiais. Como convidado, proferiu palestras em diversas universidades cariocas e também no 21º Festival da ABP, em 1999. Em 2000 fundou a Imagina Produções (www.imagina.com.br), onde é Diretor de Animações, Filmes e Efeitos até hoje. Foi Campeão Carioca de Judô aos 15 anos, Piloto de Motocross e Superbike, mantém até hoje a paixão pelo motociclismo, seja ele off-road, motovelocidade e "até" Harley-Davidson, onde é membro fundador do Museu HD em Milwaukee. É Presidente do ForzaRio Desmo Owners Club (www.forzario.com.br) e criou o site Motozoo®, www.motozoo.com.br, onde escreve sobre motociclismo. É Mestre em Artes e Design pela PUC-Rio. Como historiador, escreve em https://olhandoacidade.imagina.com.br. Maiores informações em: https://bio.site/mariobarreto

2 comentários em “Saudades da Suzuki TL 1000 S!”

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