Eles são humanos

O domingo em Sepang começou de forma trágica. Na volta de instalação, levando as motos dos boxes até o grid, o campeão de 2025, José Antonio Rueda, bateu violentamente na traseira da moto do novato Noah Dettwiler. Ambos os pilotos ficaram desacordados e foram levados de helicóptero para o hospital mais próximo. Rueda teve várias contusões, inclusive no tórax e no crânio, e uma mão quebrada. O suíço Noah, 20 anos, teve rupturas no fígado e no braço, perdeu muito sangue, teve algumas paradas cardíacas e segue lutando pela vida depois de algumas cirurgias.

O circuito parou. A corrida da Moto3 foi adiada por 2 horas, o programa foi modificado, passando-se a corrida da Moto2 para o último evento, e os pilotos ficaram sem notícias. Esse tipo de infeliz acidente acaba por explicitar o que todos fingem ignorar: é um esporte perigoso. Os pilotos são seres de muita coragem para entrarem em uma pista e disputarem a primeira freada em um bolo de 20 motos em que o descuido de um pode significar um sério risco para muitos.

Os supertecnológicos macacões e capacetes ajudam, mas não são a armadura do Homem de Ferro. Vejo esse fenômeno nas estradas onde muita gente se considera indestrutível até não ser. Espero que Rueda e Dettwiler se recuperem por completo o quanto antes.

Há algum tempo a Dorna tirou os warmups da Moto2 e da Moto3 do programa para fazer a tal (ridícula) parada dos pilotos. Esses 10 minutos que apenas o MotoGP tem são importantes para verificar se mudanças feitas após o treino de classificação afetaram o equipamento. Na falta desse espaço oficial, alguns pilotos testam suas motos na volta de instalação e a diferença de velocidades sempre foi um dos maiores fatores de risco em um circuito. Acho que isso deveria ser revisto.

Isso posto, Sepang apenas confirmou o que venho escrevendo por aqui. É parecida com Motegi, assim como Phillip Island é do mesmo tipo que Mandalika. Nesses dois últimos circuitos as Aprilias eram a moto do momento. Em Sepang, sumiram. Mir tinha feito pódio em Motegi. Repetiu na Malásia. Em um campeonato com 22 fins de semana, é normal que haja uma variação de desempenho.

Pecco foi bem, como esperado. Vacilou no Practice, como ele mesmo admitiu, mas passou do Q1 para ser pole no Q2. Na Sprint pulou na frente e foi beneficiado pelo enrosco entre Marquez e Acosta, que ficaram atrasando um ao outro. Quando viram, Bagnaia estava quase 2 segundos à frente e no seu estilo metrônomo não deu chance para ninguém. No domingo, Bagnaia perdeu a corrida antes da largada. Ele, Marini e Bezzecchi foram os únicos a largar de pneus médios na frente. E esse pneu nunca atingiu a temperatura correta de funcionamento, como Marini e Bez admitiram.

Livre da obrigação de conquistar o vice-campeonato histórico (quando dois irmãos foram campeão e vice de algum esporte de alto nível?) que, segundo o próprio, fez com que ele corresse tenso na Sprint, Alex Marquez partiu pra cima depois de largar em 3°, ultrapassando Acosta e Bagnaia em voltas consecutivas na mesma curva 4. Daí fez o seu ritmo e ninguém mais chegou perto. Acosta ficou grudado na roda traseira do Bagnaia e fiquei admirado como a Ducati conseguia abrir da KTM nas acelerações das grandes retas. Até que na volta 13 o espanhol encurtou o raio da curva 11, passou o bicampeão e logo abriu 1 segundo. Na volta 17 Pecco saiu da pista por causa de um furo no pneu traseiro. após a corrida a Michelin confirmou que o furo foi causado por um fragmento de fibra de carbono. É um fato raro no motociclismo de competição dos dias de hoje. Como se diz aqui no Reino Unido: “when it rains, it pours”. Quando o sujeito está em uma maré de azar, é uma em cima da outra. De qualquer maneira Bagnaia saiu feliz da Malásia: “mais até do que no Japão” disse o italiano. O próximo desafio é em Portimão, uma pista em que ele venceu em 2023, mas não foi bem em 2022 e 2024. Será um teste importante para a recuperação da confiança do Pecco.

As Honda foram razoavelmente bem e poderiam ter ido até melhor se Marini, que chegou em 8°, tivesse escolhido o mesmo pneu dos sete que chegaram à sua frente. Dois pódios no passeio pelo Oriente é um saldo muito positivo.

O oposto da Yamaha, que botou a V4 na pista da Malásia com uma série de restrições de giros e potência “para chegar ao final da corrida”. Augusto Fernandez deu algumas declarações bastante desanimadoras e essa moto está longe de ser competitiva. Tenho certeza que o Quartararo vai assinar contrato para 2027 com alguma outra marca antes do GP da França em 10 de maio de 2026. Podem me cobrar.

Depois de dois fins de semana de calça de veludo, a Aprilia desfilou de bunda de fora em Sepang. No sábado Bez ainda arrancou um 6° perdendo um segundo por volta, mas no domingo Ogura foi a melhor Aprilia em 10°, com Bez logo atrás. O vencedor da Austrália passou desapercebido.

A Gresini conseguiu sua 12a vitória em 4 anos, e Alex Marquez já venceu em 2025 tantas vezes quantas seu irmão e o Jorge Martin venceram no ano passado. Melhor equipe independente, melhor piloto independente, melhor novato: Nadia Padovani fez barba, cabelo e bigode. E há mais por vir…

Na VR46 acontece a disputa entre companheiros mais acirrada do ano. Após um fim de semana apagado, Diggia devolveu a liderança da disputa interna ao Morbidelli: 227 x 226. Aliás, o Franco, mesmo sem aparecer muito, foi 4° no sábado (beneficiado pela punição do Aldeguer) e 4° no domingo (beneficiado pelo pneu furado do Bagnaia). Só me lembro dele fazendo a ultrapassagem na base do jogo de ombro no Quartararo.

Deixo aqui uma pergunta: a eletrônica ajuda ou atrapalha?

Bagnaia venceu a Sprint sem o dispositivo que abaixa a traseira nas acelerações, que parou de funcionar na primeira curva da primeira volta.

Acosta, que ficou sem pneu traseiro na 6a volta da Sprint, não estava conseguindo acertar junto com os engenheiros o funcionamento do controle de tração. Aí ele disse pra desligarem a bagaça que ele ia controlar na munheca. E fez um 2° lugar…

As KTM foram bem, colocando 3 motos no Top9, com Bastianini, esse fenômeno inexplicável que não anda nada na 6a-feira e arrancou um 9° no sábado e um 7° no domingo largando de décimo-nono! Binder foi a 3a KTM e deu sorte do Pol ter caído porque poderia ter sido a 4a. A batata dele está assando na Áustria.

Nem sei como a garotada da Moto3 encontrou ânimo para correr. Um destaque para o amigo e companheiro do Noah na CIP Green Power, Scott Ogden, que largou em 15° e chegou em 8°. A Honda ganhou a primeira do ano e botou 3 motos no Top4, uma façanha em um campeonato amplamente dominado pela KTM, onde pilotos fogem de equipes com equipamento japonês. Foi a primeira vitória do japonês Taiyo Furusato, que levou às lágrimas o chefe da equipe, Hiroshi Aoyama, ele mesmo campeão mundial nas 250cc em 2009.

Finalmente o que importa: Diogo Moreira lidera o campeonato da Moto2 por 9 pontos. Considerando que ele estava 60 pontos atrás do Gonzalez há 8 GPs; é uma façanha e tanto. Diogo se classificou mal (em 16°, quando Gonzalez partia de 7°), mas foi circunstancial, pois ele tinha um bom ritmo. Em uma corrida de apenas 11 voltas ele veio recuperando posições até chegar em 6°, atrás do rival, que já tinha dado duas escorregadas de frente. Caiu na 3a. Aí entra o fator pelo qual eu acredito que o brasileiro será campeão: ele vinha bem mais rápido que o Holgado, 4° lugar. Poderia ter forçado nas duas últimas voltas, mas usou a cabeça, analisou o risco e cruzou a linha de chegada. A frieza do Moreira é sua maior virtude: é uma frieza de campeão!

Em duas semanas, Portugal. E Moreira tem o primeiro match point. Mal posso esperar.

Até lá!

Pai orgulhoso do João e da Nanda, botafoguense, motociclista e cabalista. 15 anos como CIO e membro do Board de empresas multinacionais, participando no desenho e implantação de processos de logística, marketing, vendas e relacionamento com clientes e canais de vendas, inclusive por dispositivos móveis; Morador em Londres, é Fluente em Inglês e Espanhol, com conhecimentos avançados (leitura) e intermediário de Francês e Italiano; Possui cidadanias brasileira e francesa.

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